quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Cultura popular: entenda o que é, e suas diferentes manifestações


Na cultura popular, cabe de um tudo: música, canto, dança, encenações, festas, literatura, jogos, brincadeiras, artesanato, culinária tradicional etc. Transmitida de geração em geração, de forma oral ou por imitação, ela nasce do conhecimento, dos costumes e das tradições de um povo. E, por isso mesmo, os contornos são imprecisos, acolhendo as complexas expressões de saberes, fazeres, práticas e artes produzidos por uma comunidade.

Uma definição, no entanto, foi cunhada na Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular: “é o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural, fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social”. O documento foi gerado na 25ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1989.

Este ano, o Ministério da Cultura (MinC) lança o Prêmio Culturas Populares 2018, que vai premiar – com R$ 20 mil cada – 500 iniciativas que fortaleçam as expressões culturais populares brasileiras. O objetivo é contemplar ações que contribuem para a continuidade, a retomada e a difusão de expressões populares. O prêmio homeageia a cantora e coquista pernambucana Selma do Coco (1929 – 2015).

Cultura é Patrimônio

Mas o que cabe dentro da expressão “cultura popular”? Em 2003, a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial substituiu a expressão “cultura tradicional e popular” por “patrimônio cultural imaterial” – a convenção foi ratificada pelo Brasil em 2006.

O Iphan, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, afirma que os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas. Eles ainda se
manifestam nos lugares, tais como mercados, feiras e santuários, que abrigam práticas culturais coletivas. De acordo com o instituto, o patrimônio imaterial é vivo, “constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”.

Confira as peculiaridades de algumas manifestações da cultura popular brasileira. Foram selecionadas formas de expressão ou celebrações já registradas – ou em processo de registro – como patrimônio imaterial pelo Iphan.

Literatura de Cordel


A Literatura de Cordel é assim chamada pela forma como são vendidos os folhetos, dependurados em barbantes (cordão), nas feiras, mercados, praças e bancas de jornal, principalmente das cidades do interior e nos subúrbios das grandes cidades. A tradição dessas publicações populares, geralmente em versos, não existe apenas no Brasil. Na Espanha, por exemplo, é chamada de pliego de cordel e pliegos sueltos (folhas soltas). Essa manifestação popular chegou ao Brasil no balaio dos colonizadores portugueses, instalando-se primeiramente na Bahia, mais precisamente em Salvador – então capital brasileira. Dali, se irradiou para os demais estados do Nordeste. Por volta de 1750, apareceram os primeiros poetas da literatura de cordel oral. O poeta popular é considerado um representante do povo, o repórter dos acontecimentos da vida no nordeste brasileiro. A Literatura de Cordel pode narrar desde histórias de amor aos feitos do cangaceiro Lampião, importantes acontecimentos de interesse público.

Frevo


É uma forma de expressão musical, coreográfica e poética, densamente enraizada em Recife e Olinda, no estado de Pernambuco. Gênero musical urbano, o Frevo surge no final do século XIX, no carnaval, em um momento de transição e efervescência social, como uma forma de expressão das classes populares na configuração dos espaços públicos e das relações sociais nessas cidades. As bandas militares e suas rivalidades, os escravos recém-libertos, os capoeiras, a nova classe operária e os novos espaços urbanos foram elementos definidores da configuração do Frevo. Do repertório eclético das bandas de música, composto por variados estilos musicais, resultaram suas três modalidades: Frevo-de-rua, Frevo-de-bloco e Frevo-canção. Simultaneamente à música, foi-se inventando o passo: a dança frenética característica do Frevo. Improvisada na rua, liberta e vigorosa, a dança de jogo de braços e de pernas é atribuída à ginga dos capoeiristas, que assumiam a defesa de bandas e blocos, ao mesmo tempo em que criavam a coreografia. Constitui símbolo de resistência da cultura pernambucana e expressão significativa da diversidade cultural brasileira.

Bumba-meu-boi


Muitas vezes definido como um folguedo popular, o Bumba-meu-boi extrapola o aspecto lúdico da brincadeira para fazer sentido como uma grande celebração que gravita em torno do boi, o seu ciclo vital e o universo místico-religioso. As apresentações dos Bois ocorrem em todo o estado do Maranhão e concentram-se durante os festejos juninos. Enraizado no cristianismo e, em especial, no catolicismo, o Bumba-meu-boi envolve a devoção aos santos juninos São João, São Pedro e São Marçal. Observa-se, no entanto, o sincretismo entre os santos juninos e os orixás, voduns e encantados que requisitam um boi como obrigação espiritual. No Maranhão, a manifestação comporta diversos estilos de brincar, chamados de sotaques: Baixada, Matraca, Zabumba, Costa-de-mão e Orquestra. Apesar de ter o boi como elemento central, o Bumba-meu-boi reúne diversas outras manifestações culturais, articulando várias formas de expressão e saberes – como as músicas, as danças, as performances dramáticas, os personagens e os artesanatos.

Jongo


Também conhecido pelos nomes de tambu, batuque, tambor e caxambu, o jongo é praticado nos quintais das periferias urbanas e em algumas comunidades rurais do sudeste brasileiro. Integra percussão de tambores, dança coletiva e práticas de magia e ocorre nas festas de santos católicos, divindades afro-brasileiras e em festas juninas e festas do Divino. Com raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos africanos, principalmente os de língua bantu, baseia-se no respeito aos ancestrais, na valorização dos enigmas cantados e no elemento coreográfico da umbigada. No Brasil, o jongo consolidou-se entre os negros escravizados que trabalhavam em lavouras de café e cana-de-açúcar, principalmente no vale do Rio Paraíba. A manifestação sempre esteve, assim, em uma dimensão em que os negros falam de si e de sua comunidade, por meio da crônica e da linguagem cifrada.

Fandango Caiçara


Enraizado no cotidiano das comunidades caiçaras (povos que se estabelecem em ambientes litorâneos), o Fandango Caiçara é uma expressão cultural típica do litoral sul do estado de São Paulo e do litoral norte do estado do Paraná. Nos bailes batidos, estão presentes as danças coreografadas e o ritmo marcado, tradicionalmente, pelos tamancos no chão de madeira. Já nos bailes com valsados, os pares de dançarinos enchem o salão ao som de canções entoadas por rabecas e violas artesanais. Sem regras rígidas, há momentos em que os dois estilos se mesclam. O Fandango Caiçara não se limita à dança e ao ritmo musical. Envolve trabalhos de artesanato e religiosidade.

Tambor de Crioula


Manifestação afro-brasileira que ocorre na maioria dos municípios do Maranhão, o Tambor de Crioula envolve dança circular feminina, canto e percussão de tambores. Dela participam as coreiras ou dançadeiras, conduzidas pelo ritmo intenso dos tambores e pelo influxo das toadas evocadas por tocadores e cantadores, culminando na punga ou umbigada – gesto característico, entendido como saudação e convite. Praticado livremente, seja como divertimento ou em devoção a São Benedito, o Tambor de Crioula não tem local definido, nem época fixa de apresentação, embora se observe uma maior ocorrência durante o Carnaval e nas apresentações de Bumba-meu-boi.

Congadas de Minas


São uma forma de celebração da devoção a Nossa Senhora do Rosário e/ou São Benedito, Santa Efigênia e outros santos da devoção católica. Mas também guardam relações com as formas expressas na religiosidade africana. Denominada ainda de Congados, Catupé ou Reinado de Nossa Senhora do Rosário, sua origem remonta ao período da escravidão e é tradição em diversas comunidades de Minas Gerais.

Cocos do Nordeste


Dança típica das regiões praieiras, o Coco do Nordeste se originou do canto dos tiradores de coco, transformando-se, em seguida, em ritmo dançado. Apresentam uma coreografia básica: os participantes formam filas ou rodas onde executam um sapateado característico, respondem o coco, trocam umbigadas entre si e com os pares vizinhos e batem palmas marcando o ritmo. É comum também a presença do mestre “cantadô”, que puxa os cantos já conhecidos dos participantes ou de improviso. A dança tem influências dos bailados indígenas dos Tupis e nos batuques africanos. Apresenta uma grande variedade de formas, sendo as mais conhecidas o coco-de-amarração, coco-de-embolada, balamento e pagode. Utiliza instrumentos de percussão, mas muitas vezes apenas as palmas ritmadas dão início à manifestação. É um folguedo do ciclo junino, mas também é dançado em outras épocas do ano.

Marujada de São Benedito


Mais do que uma procissão religiosa, a Marujada de São Benedito é uma festiva tradição, que além do retumbão agrega ritmos como o xote, o chorado e a mazurca, cada um associado a uma dança específica. Com belos trajes, cores e danças, a Marujada reúne uma multidão em homenagem ao padroeiro da cidade de Bragança, no Pará. É constituída principalmente por mulheres, cabendo a elas a direção e a organização. Dirigida pela “Capitã”, a Marujada promove uma dança nas ruas e nas casas da cidade, reverenciando pessoas da comunidade local. As mulheres dançam em duas filas, indo à frente a capitã, que carrega um enfeitado bastão de madeira. Os homens, músicos e acompanhantes, também são dirigidos por um capitão. Utiliza pandeiros, rabeca, viola, cavaquinho, cuíca, violões, e claro, os tambores. Teve início em 1798, quando escravos tiveram a autorização de seus senhores para louvar ao Santo Preto: São Benedito. Em agradecimento, saíram de porta em porta comemorando.
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